Sunday, January 17, 2010

O dever de compartilhar

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Relação da linguagem com a filosofia e antropologia filosófica

Relação da linguagem com a filosofia e antropologia filosófica
Miguél Eugenio Almeida (UEMS)

Considerações Iniciais
Pretendemos, aqui, apontar possível relação interdisciplinar da Historiografia Lingüística (HL) com a Filosofia, em geral, e com a Antropologia Filosófica, em especial. O que não é nosso propósito, no caso, tecer profundas considerações, mas o suficiente que permitam vislumbrar a interdisciplinaridade com tal. A concepção da língua como produto histórico-social implica, antes de tudo, a dimensão do homem como ser de linguagem e como ser social, no contexto da Antropologia Filosófica. O homem revela-se e revela a realidade do mundo perante a linguagem.
Ao relacionarmos a HL com a Filosofia, estamos buscando o princípio do Ser; na Antropologia Filosófica, indagamos a posição do homem no mundo. Assim, a linguagem compreende a relação do homem com todas as coisas. A linguagem envolve o Ser em toda a sua plenitude, como diria Heidegger: a linguagem é a casa do ser. Isto é, o Ser está na linguagem e vice-versa. Tudo o homem diz, faz ou pensa está presente à linguagem. É pertinentes a relação da mesma (linguagem) com toda produção cultural humana.
A linguagem, a filosofia e a Antropologia Filosófica estão intimamente relacionadas, porque, cf. Mondin (1980: 132), (...) a propriedade de falar distingue nitidamente o homem dos animais e de qualquer outro ser deste mundo e faz dele um ser totalmente singular. Assim, o falar compreende a expressão do homem sobre tudo o que o envolve, inclusive a metalinguagem.

A Linguagem nos Primórdios do Filosofar
Antes de colocar os pontos de relação da linguagem com as mesmas, faz-se pertinente mencionar, mesmo que em poucas palavras, o panorama histórico da colocação da linguagem pelos pensadores do período antigo até o período contemporâneo abordada sob os seguintes aspectos: origem e função. Em seguida, passamos a tratar mais especificamente da relação linguagem com a filosofia compreendendo a questão da linguagem e transcendência onde depreendemos as funções e valor da linguagem sob a ótica filosófica.
A Filosofia Antiga e Medieval centrou os estudos na questão metafísica - o ser -; a Filosofia Moderna com Descartes entendeu que o ponto chave dos questionamentos filosóficos se voltasse ara a Gnosiologia – Teoria do Conhecimento –. Já Filosofia Contemporânea com Thomas Moore, Witgenstein, Russel e a Escola de Viena, ou seja, os neopositivistas anglo-americanos, estruturalistas, existencialistas (discípulos de Heidegger), hermeneutas (Gadamer, Ricoeur) e seguidores de Santo Temas e Karl Marx centraram os problemas filosóficos côo problemas lingüísticos.
Na Filosofia Antiga, Pitágoras, Demócrito e Empédocles trataram da origem da linguagem entendendo que a mesma é o espelho imediato das coisas – natureza ou divindade -. As mesmas (natureza ou divindade) expressam, mostram, a linguagem. Demócrito, cf. Cassirer (1977: 183), (...) foi o primeiro a propor a tese de que a linguagem humana se origina de certos sons, de caráter puramente emocional. Cassirer (op. cit., p. 178) reporta-se ao princípio cosmológico do ser de Heráclito quando diz: O logos transforma-se no princípio do universo e no primeiro princípio do conhecimento humano. Ou seja, a palavra é o princípio da existência do ser, porque sustenta o ser, continua Cassirer (op. cit., p. 179): Mesmo no pensamento de Heráclito, a palavra, o Logos, não é simplesmente um fenômeno antropológico. Não está confinado nos estreitos limites do mundo humano, pois possui verdade cósmica universal.
Os sofistas, cf. Cassirer (op. cit., p. 183), (...) foram os primeiros a tratar os problemas lingüísticos e gramaticais de maneira sistemática. Porque viam o lado pragmático da linguagem; onde entendiam, continua Cassirer (id. ibid.), Sua verdadeira função [dos nomes] não é descrever as coisas, mas despertar emoções humanas; não é transmitir simples idéias ou pensamentos, mas levar os homens a certas ações. Ou ainda, conduzir os atenienses a ascender a cargos públicos. Assim, compreende Cassirer (op. cit., p. 182),
Na vida ateniense do século V, a linguagem se tornara instrumento para propósitos práticos definidos e concretos, sendo a mais poderosa das armas nas grandes lutas políticas. Sem ela ninguém poderia esperar desempenhar um papel importante.
Para Aristóteles, a linguagem é instrumento do pensamento e tem como função representar as coisas. As coisas passam a existir, diz Aristóteles, à medida que a nomeamos. De acordo com Aristóteles, a linguagem é natural na sua função e convencional na sua origem. Ou melhor, a linguagem está presente na natureza humana no seu aspecto funcional de representar as coisas para intrumentalizar o pensamento; e no aspecto de sua origem, ela é convencional. A partir da necessidade intrínseca funcional da linguagem é que o homem inventa a mesma num contexto sócio-cultural.
Santo Agostinho estabelece inter-relação da linguagem com as coisas e com o “Verbo Divino” que é a fonte legítima da verdade.
Os escolásticos classificam a linguagem em três modos: linguagem literal; linguagem analógica e linguagem simbólica. Assim, os signos lingüísticos classificam-se, cf. os mesmos, em naturais e artificiais. Podemos, deste modo, perceber a relação existente entre os signos naturais com a linguagem analógica, principalmente, e simbólica; enquanto que os signos artificiais relacionam-se com a linguagem literal. Dentro deste contexto relacional da linguagem e signo, Cassirer (op. cit., p. 186-187) observa o seguinte:
‘Transferência metafórica’ que encerra, em poucas palavras, todo nosso problema, e significa que emissões de som, que até então haviam sido simples gritos, descargas involuntárias de emoções fortes, estavam realizando uma tarefa inteiramente nova. Estavam sendo usadas como símbolos contendo um significado definido.
O ser humano, à medida que foi usando toda sua competência lingüística, foi aos poucos aprimorando e recriando novas formas significativas através do meio sócio-cultural a que está inserido.
Os renascentistas deram início aos estudos filológicos e filosóficos da linguagem. Eles perceberam que a linguagem tem papéis importantíssimos na vida do ser humano. É pela linguagem que o ser humano respira, passa a existir como um ser único.
No período moderno da história do pensamento, Herder entende que a origem da linguagem é natural e Humboldt a coloca como sendo expressão de um povo. Isto é, a natureza e a expressão humana são fontes da origem da linguagem.
Na contemporaneidade, os neopositivistas e analistas da linguagem representados por Ayer, Carnap, Mac Quarrie, Russel e Witgenstein buscam no ângulo semântico da linguagem um critério geral de significação. Já, no aspecto gnosiológica, Gadamer e Ricoeur compreendem a linguagem como fonte primária do conhecimento. Para Heidegger, no contexto ontológico, o ser é revelado pela linguagem. Os marxistas e estruturalistas, da expressão de Altusser, Derrida, Saussure, Levi-Straus e Piaget, sob a ótica do social, apontam na linguagem a estrutura que sustenta e clarifica todas as outras estruturas da sociedade. Já os discípulos de Freud, numa abordagem psicanalítica, entendem que a linguagem como luminária dos mistérios do subconsciente.

A Importância da Linguagemna Antropologia Filosófica
A linguagem eleva substancialmente o ser humano com relação aos demais seres vivos quando ascende aos degraus “do mundo da sensação ao mundo da visão e da representação”. A mesma enaltece-o qualitativamente através da ação da inteligência que produz ciência e tecnologia que o habilita a uma transformação melhor do seu mundo, cf. Cassirer (Apud MONDIN, 1980: 135):
A linguagem é um dos meios fundamentais do espírito, graças ao qual se realiza a nossa passagem do mundo da sensação ao mundo da visão e da representação. Ela compreende já em germe o trabalho intelectual, que em seguida se exprimirá na formação do conceito científico e como unidade lógica da forma.
Cassirer (op. cit., p. 349) eleva, em grau de importância, a linguagem como elemento humano entre os demais (mito, arte, religião e ciência) no seio da sociedade quando coloca:
Mas no caso do homem encontramos não apenas, como entre os animais, uma sociedade de ação, mas também uma sociedade de pensamento e sentimento. A linguagem, o mito, a arte, a religião, a ciência são os elementos e condições constitutivas desta forma superior de sociedade. São os meios pelos quais as formas de vida social, que encontramos na natureza orgânica, envolvem para um novo estado, o da consciência social que depende de um duplo ato, de identificação e descriminação.
Heidegger (Apud MONDIN, op. cit., p. 136) enfatiza a capacidade inativista de falar, ou seja:
O homem fala. Nós falamos na vigília e no sono. Falamos sempre, até quando não proferimos palavra, mas escutamos nenhuma palavra, mas escutamos ou lemos, mas nos dedicamos ou nos perdemos no ócio. De um modo ou de outro, falamos ininterruptamente. Falamos porque o falar é inato. O falar não nasce de um ato particular de vontade. Diz –se que o homem é de natureza falante e é próprio dele, ao contrário das plantas e dos animais, é o ser vivente capaz de falar. Dizendo isso, não se pretende afirmar apenas que o homem possui, ao lado de outras faculdades, também de falar.
Pretende-se dizer eu propriamente a linguagem faz do homem o ser vivente que é enquanto homem.

Linguagem e Transcendência
A linguagem está assim tão presente na vida do ser humano que o coloca em situação de transcendência com relação aos demais seres do mundo envolvente. Vejamos as condições transcendentais da linguagem na inter-relação do homem com o seu universo:
· sujeito que fala (e se exprime falando)
· objeto de que se fala (e se representa mediante a palavra)
· interlocutor a quem se fala e com quem se quer comunicar falando.
Mondin (op. cit., p. 140-141) enfatiza a respeito: “(...) não há linguagem se não há alguém que fala. Mas ele não fala se não tem nada para dizer e não há alguém para quem dizê-lo”.
Para MAC QUARRIE (Ha senso parlare di Dio?: p. 66-67)) a relação das condições transcendentais são feitas pela linguagem: (...) É a linguagem que faz o papel intermediário para a relação triádica, e é propriamente isso que a constitui.

Funções e Valor da Linguagemna Antropologia Filosófica
Antes de entrar nas funções e valor da linguagem, observemos como a divisão pode ser feita:
· Divisão dicotômica (Ogden-Richards, Carnap, Ayer, Stevenson, Austin etc.).
Função:


OBJETO
- descritiva
- cognitiva
- denotativa
- representativa
- simbólica
- emotiva
- performativa
- existencial
- pessoal
SUJEITO QUE FALA










No quadro acima, o primeiro quadro (função descritiva) está relacionado com o objeto da fala; enquanto que o segundo quadro (função emotiva) está relacionado com o sujeito que fala.
· Divisão triádica – se junta as funções acima mais a comunicativa ou intersubjetiva que se centra no interlocutor.

Função Descritiva
- Corrente neopositivista e analítica.
- Valor absoluto à função denotativa (descritiva, cognitiva, objetiva). Nota: as demais funções carecem de sentido.
- Linguagem científica: clareza, precisão e objetividade.
- Critério de significação: verificação experimental.

Função Comunicativa
Função: comunicação sem, em muitíssimos casos, oferecer descrições de objetos, coisas, fenômenos, leis da natureza, mas afetos, sentimentos, desejos, comandos.
Barbotin (Apud MONDIN, op. cit., p. 145) faz o seguinte esclarecimento com referência a esta função: “A palavra trocada põe em comunicação entre si, ela desperta, mantém e consagra a abertura recíproca; mas ao mesmo tempo conserva algo de inexprimível.”

Função e Valor Existencial
Função: testemunhar aos outros e a nós mesmos a nossa existência. Ex: alguém perdido na floresta e na montanha.
- determinado,
- preciso
- qualificado




Testemunho palavra = densidade essencial através do nome.

Mondin (op. cit., p. 147) esclarece-nos sobre a relação ontológica do nome com a existência humana:
Mas além de superar os limites do espaço, o nome consente-nos também suplantar os confins do tempo: a nossa presença perdura mesmo depois da morte, enquanto que a lembrança do nosso nome permanece viva. Isso explica o desejo que todos nós temos de que o nosso nome torne-se famoso, adquira notoriedade: dessa maneira queremos garantir-nos uma certa eternidade.

Função Ontológica: Valor do Mito
Heidegger (Apud MONDIN, op. cit., p. 147) enfatiza sobre a noção ontológica do mito: O que faz existir a linguagem como linguagem é o Dizer original (die Sage) enquanto Mostrar (die Zeige). Assim, compreendemos a essência da linguagem como expressão e atividade humana. Logo, para Martin Heidegger, a linguagem tem um valor ontológico; o fundamental: a palavra não é somente habilidade e signo, mas também fonte e sustentáculo do ser das coisas. A linguagem eleva substancialmente o ser humano com relação aos demais seres vivos quando ascende aos degraus “do mundo da sensação ao mundo da sensação ao mundo da visão e da representação”. A mesma enaltece-o qualitativamente através da ação da inteligência que produz ciência e tecnologia que o habilita a uma transformação melhor do seu mundo, conforme Cassirer (Apud MONDIN, op. cit., p. 135):
A linguagem é um dos meios fundamentais do espírito, graças ao qual se realiza a passagem do mundo da sensação ao mundo da visão e da representação. Ela compreende já em germe trabalho intelectual, que em seguida se exprimirá na formação do conceito científico e como unidade lógica da forma.

Considerações Finais
A relação da linguagem com a filosofia e com a Antropologia Filosófica estabelece-se naturalmente, ou seja, quando o ser humano se dá conta da sua capacidade de falar, ele percebeu que poderia registrar seu pensamento e sentimento daquilo que vivencia. Assim, o homem procura o sentido de tudo aquilo que faz, para melhorar cada vez mais aquilo que faz. E é este contínuo aperfeiçoamento que a linguagem subsidia a filosofia e a Antropologia Filosófica e vice-versa.
Deste modo, procuramos mostrar a relação interdisciplinar da linguagem com as mesmas. Poderemos, no caso, deduzir a interdisciplinaridade ocorrendo pela linguagem humana que o manifesta pela sua obra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASSIRER, Ernst. Antropologia filosófica. Tradução: Vicente Felix de Queirós. 2ª ed. São Paulo: Mestre Jou, 1977.
MARCONDES, Danilo. Filosofia, linguagem e comunicação. 3ª ed. rev. amp. São Paulo: Cortez, 2000.
MONDIN, Batista. O homem: quem é ele? Elementos de antropologia filosófica. Tradução: R. L. Ferreira e M. A. S. Ferrari. São Paulo: Paulinas, 1980.