Você é o que você fala
Alessandro Greco
Há mais de 100 anos, Sigmund Freud procurava associar o estado emocional de uma pessoa ao número de vezes que ela usava uma determinada palavra. Era uma trabalho difícil e cansativo, porque o pai da psicanálise precisava contar, catalogar e estudar a falação de seus pacientes – tudo manualmente. Mas em 1993, o psicólogo James Pennebaker, professor da Universidade do Texas, criou o programa Linguistic Inquiry and Word Count (LIWC) para enumerar as palavras e classificá-las. Com base nele, fez três estudos capazes de traçar uma espécie de escala entre expressões mais usadas e estado de espírito de quem as utiliza. O mais recente foi publicado na última terça-feira, 24, no periódico Psychosomatic Medicine. A pesquisa comparou 156 escritos de nove poetas de diversas nacionalidades que cometeram suicídio com 135 textos de outros nove poetas que não se mataram. O resultado foi que os suicidas tinham em comum um padrão de linguagem que mostrava excesso de preocupação com eles próprios e distanciamento de outras pessoas.
Os poetas que se mataram (Jonh Berryman, Hart Crane, Sergei Esenin, Adam L.Gordon, Randall Jarrel, Vladimir Maiakovski, Sylvia Plath, Sarah Teasdale e Anne Sexton) usavam muito mais as palavras "eu", "me" e "meu" e utilizavam muito menos "nós" e "eles" do que o bloco dos que não cometeram suicídio (Robert Lowell, Lawrence Ferlinghetti, Denise Levertov, Adrienne Rich, Matthew Arnold, Edna St. V.Millay, Joyce Kilmer, Boris Pasternak e Osip Mandelstam). Os dois grupos, no entanto, usavam o mesmo número de termos ligados a emoções negativas (tristeza, raiva, culpa) e positivas (alegria, amor, excitação). Em entrevista a no., Pennebaker diz que os resultados da pesquisa podem ser estendidos a qualquer um. "É seguro dizer que as palavras que usamos na linguagem do dia-a-dia refletem quem somos e o que estamos vivendo", disse ele. Os depressivos, por exemplo, tendem a abusar da auto-referência.
O seu estudo mostra a relação entre o uso de certas palavras em poemas e os suicídio de poetas. O senhor acha que essa relação pode ser estendida para pessoas em geral?
James Pennebaker - Temos evidências de que o uso muito grande da primeira pessoa do singular (eu, meu) está ligado a maiores níveis de depressão. Então, sim, é seguro dizer que as palavras que usamos na linguagem do dia-a-dia refletem quem somos e o que estamos vivendo. No caso dos poetas, descobrimos também que a auto-referência se estende por toda a sua obra. Quer dizer, não aumentam com o tempo. Isso indica que a preocupação consigo mesmo que os poetas suicidas apresentavam não se relaciona com o aumento de sua fama ou reconhecimento de sua obra ao longo dos anos. Além disso, o uso da primeira pessoal do plural, que indica uma integração nas relações sociais e interpessoais, foi mais baixa no grupo de poetas suicidas do que no grupo de não-suicidas.
O senhor disse que ficou surpreso, no caso dos poetas, com os resultados obtidos em relação ao número de palavras relacionadas a emoções negativas e positivas. Por quê?
JP - Os poetas que cometeram suicídio usaram mais palavras ligadas à morte do que os não suicidas. Mas surpreendentemente a expressão de emoção positiva e negativa não variou significativamente entre os dois grupos. Na superfície, você poderia pensar que os suicidas iriam expressar um número grande de palavras associadas a emoções negativas (tristeza, raiva, culpa) e pequeno de emoções positivas (alegria, amor, excitação). Isso não acontece. Poetas suicidas e não suicidas usam essa classe de palavras com a mesma freqüência. Acho que isso indica que os problemas enfrentados pelos poetas suicidas são de cunho social e não somente de humor.
Existem palavras ligadas à saúde emocional no longo prazo?
JP - Não uma palavra em particular. Mas há uma forma de lidar com a vida que é refletida na linguagem. Uma pessoa que usa "eu" o tempo todo é provavelmente deprimida e incapaz de olhar além de si mesmo. Alguém que use "nós" é provavelmente mais integrada com as pessoas de seu meio social. Outros estudos que estamos fazendo sugerem que uma pessoa que é capaz de se referir a si mesma e aos outros durante um dia são as mais sadias.
Uma pessoa depressiva pode mudar seu estado emocional alterando a linguagem do dia-a-dia?
JP - É difícil saber. Suspeito que mudanças na linguagem tendem a refletir mudanças no estado emocional. Mas não está claro se podemos mudar a linguagem das pessoas e, consequentemente, modificar seu estado emocional.
É possível distinguir traços da personalidade de uma pessoa analisando sua linguagem?
JP - O uso da linguagem por uma pessoa é uma janela para seus pensamentos e sentimentos mais profundos. Há, obviamente, diferenças entre as línguas, mas dentro de uma mesma cultura, aspectos sutis da linguagem podem nos dizer muito sobre uma pessoa.
Muitas pessoas se referem a elas mesmas na terceira pessoa. Pelé é um caso clássico disso no Brasil. O que isso quer dizer?
JP - Nos Estados Unidos também não é incomum que celebridades ou políticos, como Bob Doyle, que concorreu à Presidência, se refiram a si mesmos na terceira pessoa. Parece-me uma estratégia de distanciamento. Ela permite à pessoa dizer coisas sobre a sua imagem em vez de dizer coisas que ela realmente acredita. Infelizmente no estágio da pesquisa, não podemos dizer com certeza o que isso significa.
Recentemente o senhor publicou também um estudo mostrando os efeitos positivos na saúde das pessoas que falaram e escreveram sobre suas emoções usando o programa LIWC. Como funciona essa relação?
JP - Não sabemos porque escrever ou falar sobre as emoções é tão saudável. A maioria da pesquisas e do pensamento atual sugere que transcrever emoções em linguagem nos ajuda a organizá-las e entendê-las. Isso simplifica essas experiências em nossas mentes, levando-nos a ir em frente com nossa vida. Outra possibilidade é que escrever sobre emoções faça ser mais fácil para nós retornar para uma vida social normal. Manter as coisas secretas, freqüentemente faz com que nos distanciemos das outras pessoas.
Qual a importância do uso do computador no estudo da relação entre linguagem e estado emocional?
JP - Historicamente a análise da relação entre a linguagem e a emoção tem se dado de forma muito lenta. Era preciso um número grande de pessoas para fazer essa ligação.Hoje posso fazer a análise de toda a obra de Shakespeare em 68 segundos com o LIWC. Para fazer isso de forma manual, seria preciso uma equipe de pesquisadores e meses e meses de trabalhos.
No que o senhor está trabalhando agora?
JP - Continuamos nossa pesquisa sobre o uso da linguagem. Queremos entender como as palavras que usamos traem nossos pensamentos e sentimentos. Estamos levando esse trabalho agora para a forma como os políticos falam, músicos escrevem letras e como as pessoas falam umas com as outras na vida diária.
Alessandro Greco
Os poetas que se mataram (Jonh Berryman, Hart Crane, Sergei Esenin, Adam L.Gordon, Randall Jarrel, Vladimir Maiakovski, Sylvia Plath, Sarah Teasdale e Anne Sexton) usavam muito mais as palavras "eu", "me" e "meu" e utilizavam muito menos "nós" e "eles" do que o bloco dos que não cometeram suicídio (Robert Lowell, Lawrence Ferlinghetti, Denise Levertov, Adrienne Rich, Matthew Arnold, Edna St. V.Millay, Joyce Kilmer, Boris Pasternak e Osip Mandelstam). Os dois grupos, no entanto, usavam o mesmo número de termos ligados a emoções negativas (tristeza, raiva, culpa) e positivas (alegria, amor, excitação). Em entrevista a no., Pennebaker diz que os resultados da pesquisa podem ser estendidos a qualquer um. "É seguro dizer que as palavras que usamos na linguagem do dia-a-dia refletem quem somos e o que estamos vivendo", disse ele. Os depressivos, por exemplo, tendem a abusar da auto-referência.
O seu estudo mostra a relação entre o uso de certas palavras em poemas e os suicídio de poetas. O senhor acha que essa relação pode ser estendida para pessoas em geral?
James Pennebaker - Temos evidências de que o uso muito grande da primeira pessoa do singular (eu, meu) está ligado a maiores níveis de depressão. Então, sim, é seguro dizer que as palavras que usamos na linguagem do dia-a-dia refletem quem somos e o que estamos vivendo. No caso dos poetas, descobrimos também que a auto-referência se estende por toda a sua obra. Quer dizer, não aumentam com o tempo. Isso indica que a preocupação consigo mesmo que os poetas suicidas apresentavam não se relaciona com o aumento de sua fama ou reconhecimento de sua obra ao longo dos anos. Além disso, o uso da primeira pessoal do plural, que indica uma integração nas relações sociais e interpessoais, foi mais baixa no grupo de poetas suicidas do que no grupo de não-suicidas.
O senhor disse que ficou surpreso, no caso dos poetas, com os resultados obtidos em relação ao número de palavras relacionadas a emoções negativas e positivas. Por quê?
JP - Os poetas que cometeram suicídio usaram mais palavras ligadas à morte do que os não suicidas. Mas surpreendentemente a expressão de emoção positiva e negativa não variou significativamente entre os dois grupos. Na superfície, você poderia pensar que os suicidas iriam expressar um número grande de palavras associadas a emoções negativas (tristeza, raiva, culpa) e pequeno de emoções positivas (alegria, amor, excitação). Isso não acontece. Poetas suicidas e não suicidas usam essa classe de palavras com a mesma freqüência. Acho que isso indica que os problemas enfrentados pelos poetas suicidas são de cunho social e não somente de humor.
Existem palavras ligadas à saúde emocional no longo prazo?
JP - Não uma palavra em particular. Mas há uma forma de lidar com a vida que é refletida na linguagem. Uma pessoa que usa "eu" o tempo todo é provavelmente deprimida e incapaz de olhar além de si mesmo. Alguém que use "nós" é provavelmente mais integrada com as pessoas de seu meio social. Outros estudos que estamos fazendo sugerem que uma pessoa que é capaz de se referir a si mesma e aos outros durante um dia são as mais sadias.
Uma pessoa depressiva pode mudar seu estado emocional alterando a linguagem do dia-a-dia?
JP - É difícil saber. Suspeito que mudanças na linguagem tendem a refletir mudanças no estado emocional. Mas não está claro se podemos mudar a linguagem das pessoas e, consequentemente, modificar seu estado emocional.
É possível distinguir traços da personalidade de uma pessoa analisando sua linguagem?
JP - O uso da linguagem por uma pessoa é uma janela para seus pensamentos e sentimentos mais profundos. Há, obviamente, diferenças entre as línguas, mas dentro de uma mesma cultura, aspectos sutis da linguagem podem nos dizer muito sobre uma pessoa.
Muitas pessoas se referem a elas mesmas na terceira pessoa. Pelé é um caso clássico disso no Brasil. O que isso quer dizer?
JP - Nos Estados Unidos também não é incomum que celebridades ou políticos, como Bob Doyle, que concorreu à Presidência, se refiram a si mesmos na terceira pessoa. Parece-me uma estratégia de distanciamento. Ela permite à pessoa dizer coisas sobre a sua imagem em vez de dizer coisas que ela realmente acredita. Infelizmente no estágio da pesquisa, não podemos dizer com certeza o que isso significa.
Recentemente o senhor publicou também um estudo mostrando os efeitos positivos na saúde das pessoas que falaram e escreveram sobre suas emoções usando o programa LIWC. Como funciona essa relação?
JP - Não sabemos porque escrever ou falar sobre as emoções é tão saudável. A maioria da pesquisas e do pensamento atual sugere que transcrever emoções em linguagem nos ajuda a organizá-las e entendê-las. Isso simplifica essas experiências em nossas mentes, levando-nos a ir em frente com nossa vida. Outra possibilidade é que escrever sobre emoções faça ser mais fácil para nós retornar para uma vida social normal. Manter as coisas secretas, freqüentemente faz com que nos distanciemos das outras pessoas.
Qual a importância do uso do computador no estudo da relação entre linguagem e estado emocional?
JP - Historicamente a análise da relação entre a linguagem e a emoção tem se dado de forma muito lenta. Era preciso um número grande de pessoas para fazer essa ligação.Hoje posso fazer a análise de toda a obra de Shakespeare em 68 segundos com o LIWC. Para fazer isso de forma manual, seria preciso uma equipe de pesquisadores e meses e meses de trabalhos.
No que o senhor está trabalhando agora?
JP - Continuamos nossa pesquisa sobre o uso da linguagem. Queremos entender como as palavras que usamos traem nossos pensamentos e sentimentos. Estamos levando esse trabalho agora para a forma como os políticos falam, músicos escrevem letras e como as pessoas falam umas com as outras na vida diária.