Saturday, February 26, 2005

Você é o que você fala

Você é o que você fala

Alessandro Greco
Há mais de 100 anos, Sigmund Freud procurava associar o estado emocional de uma pessoa ao número de vezes que ela usava uma determinada palavra. Era uma trabalho difícil e cansativo, porque o pai da psicanálise precisava contar, catalogar e estudar a falação de seus pacientes – tudo manualmente. Mas em 1993, o psicólogo James Pennebaker, professor da Universidade do Texas, criou o programa Linguistic Inquiry and Word Count (LIWC) para enumerar as palavras e classificá-las. Com base nele, fez três estudos capazes de traçar uma espécie de escala entre expressões mais usadas e estado de espírito de quem as utiliza. O mais recente foi publicado na última terça-feira, 24, no periódico Psychosomatic Medicine. A pesquisa comparou 156 escritos de nove poetas de diversas nacionalidades que cometeram suicídio com 135 textos de outros nove poetas que não se mataram. O resultado foi que os suicidas tinham em comum um padrão de linguagem que mostrava excesso de preocupação com eles próprios e distanciamento de outras pessoas.

Os poetas que se mataram (Jonh Berryman, Hart Crane, Sergei Esenin, Adam L.Gordon, Randall Jarrel, Vladimir Maiakovski, Sylvia Plath, Sarah Teasdale e Anne Sexton) usavam muito mais as palavras "eu", "me" e "meu" e utilizavam muito menos "nós" e "eles" do que o bloco dos que não cometeram suicídio (Robert Lowell, Lawrence Ferlinghetti, Denise Levertov, Adrienne Rich, Matthew Arnold, Edna St. V.Millay, Joyce Kilmer, Boris Pasternak e Osip Mandelstam). Os dois grupos, no entanto, usavam o mesmo número de termos ligados a emoções negativas (tristeza, raiva, culpa) e positivas (alegria, amor, excitação). Em entrevista a no., Pennebaker diz que os resultados da pesquisa podem ser estendidos a qualquer um. "É seguro dizer que as palavras que usamos na linguagem do dia-a-dia refletem quem somos e o que estamos vivendo", disse ele. Os depressivos, por exemplo, tendem a abusar da auto-referência.

O seu estudo mostra a relação entre o uso de certas palavras em poemas e os suicídio de poetas. O senhor acha que essa relação pode ser estendida para pessoas em geral?

James Pennebaker - Temos evidências de que o uso muito grande da primeira pessoa do singular (eu, meu) está ligado a maiores níveis de depressão. Então, sim, é seguro dizer que as palavras que usamos na linguagem do dia-a-dia refletem quem somos e o que estamos vivendo. No caso dos poetas, descobrimos também que a auto-referência se estende por toda a sua obra. Quer dizer, não aumentam com o tempo. Isso indica que a preocupação consigo mesmo que os poetas suicidas apresentavam não se relaciona com o aumento de sua fama ou reconhecimento de sua obra ao longo dos anos. Além disso, o uso da primeira pessoal do plural, que indica uma integração nas relações sociais e interpessoais, foi mais baixa no grupo de poetas suicidas do que no grupo de não-suicidas.

O senhor disse que ficou surpreso, no caso dos poetas, com os resultados obtidos em relação ao número de palavras relacionadas a emoções negativas e positivas. Por quê?

JP - Os poetas que cometeram suicídio usaram mais palavras ligadas à morte do que os não suicidas. Mas surpreendentemente a expressão de emoção positiva e negativa não variou significativamente entre os dois grupos. Na superfície, você poderia pensar que os suicidas iriam expressar um número grande de palavras associadas a emoções negativas (tristeza, raiva, culpa) e pequeno de emoções positivas (alegria, amor, excitação). Isso não acontece. Poetas suicidas e não suicidas usam essa classe de palavras com a mesma freqüência. Acho que isso indica que os problemas enfrentados pelos poetas suicidas são de cunho social e não somente de humor.

Existem palavras ligadas à saúde emocional no longo prazo?

JP - Não uma palavra em particular. Mas há uma forma de lidar com a vida que é refletida na linguagem. Uma pessoa que usa "eu" o tempo todo é provavelmente deprimida e incapaz de olhar além de si mesmo. Alguém que use "nós" é provavelmente mais integrada com as pessoas de seu meio social. Outros estudos que estamos fazendo sugerem que uma pessoa que é capaz de se referir a si mesma e aos outros durante um dia são as mais sadias.

Uma pessoa depressiva pode mudar seu estado emocional alterando a linguagem do dia-a-dia?

JP - É difícil saber. Suspeito que mudanças na linguagem tendem a refletir mudanças no estado emocional. Mas não está claro se podemos mudar a linguagem das pessoas e, consequentemente, modificar seu estado emocional.

É possível distinguir traços da personalidade de uma pessoa analisando sua linguagem?

JP - O uso da linguagem por uma pessoa é uma janela para seus pensamentos e sentimentos mais profundos. Há, obviamente, diferenças entre as línguas, mas dentro de uma mesma cultura, aspectos sutis da linguagem podem nos dizer muito sobre uma pessoa.

Muitas pessoas se referem a elas mesmas na terceira pessoa. Pelé é um caso clássico disso no Brasil. O que isso quer dizer?

JP - Nos Estados Unidos também não é incomum que celebridades ou políticos, como Bob Doyle, que concorreu à Presidência, se refiram a si mesmos na terceira pessoa. Parece-me uma estratégia de distanciamento. Ela permite à pessoa dizer coisas sobre a sua imagem em vez de dizer coisas que ela realmente acredita. Infelizmente no estágio da pesquisa, não podemos dizer com certeza o que isso significa.

Recentemente o senhor publicou também um estudo mostrando os efeitos positivos na saúde das pessoas que falaram e escreveram sobre suas emoções usando o programa LIWC. Como funciona essa relação?

JP - Não sabemos porque escrever ou falar sobre as emoções é tão saudável. A maioria da pesquisas e do pensamento atual sugere que transcrever emoções em linguagem nos ajuda a organizá-las e entendê-las. Isso simplifica essas experiências em nossas mentes, levando-nos a ir em frente com nossa vida. Outra possibilidade é que escrever sobre emoções faça ser mais fácil para nós retornar para uma vida social normal. Manter as coisas secretas, freqüentemente faz com que nos distanciemos das outras pessoas.

Qual a importância do uso do computador no estudo da relação entre linguagem e estado emocional?

JP - Historicamente a análise da relação entre a linguagem e a emoção tem se dado de forma muito lenta. Era preciso um número grande de pessoas para fazer essa ligação.Hoje posso fazer a análise de toda a obra de Shakespeare em 68 segundos com o LIWC. Para fazer isso de forma manual, seria preciso uma equipe de pesquisadores e meses e meses de trabalhos.

No que o senhor está trabalhando agora?

JP - Continuamos nossa pesquisa sobre o uso da linguagem. Queremos entender como as palavras que usamos traem nossos pensamentos e sentimentos. Estamos levando esse trabalho agora para a forma como os políticos falam, músicos escrevem letras e como as pessoas falam umas com as outras na vida diária.